ANOREXIA

ANOREXIA

terça-feira, 18 de novembro de 2014

ESTUDO PSICANALÍTICO SOBRE A NOREXIA

Nos dias atuais, o considerável aumento de anorexias e bulimias tem levado muitos analistas a aceitarem a ideia, extremamente divulgada por profissionais da área de saúde e da mídia, de que estes quadros, junto às toxicomanias, ao transtorno de pânico, ao estresse e às depressões, constituiriam as novas patologias do século XXI. Assim, ignora-se o fato de que esta designação foi construída pela psiquiatria atual a partir da descrição minuciosa de quadros sintomáticos há séculos conhecidos, além de apoiar-se em pesquisas que atribuem a etiologia dos transtornos psíquicos aos neurotransmissores. Talvez seja redundante lembrar que o cerne da questão não é saber se a psicanálise é ou não capaz de aceitar os pressupostos básicos de outros campos de saber, mas como fazer valer seus conceitos básicos e dar conta de sua própria psicopatologia. Desde Freud, sabemos que isto só é possível por meio da escuta da tensão discursiva do sujeito submergido entre o que é da ordem do intemporal – a vida, a morte, as paixões avassaladoras, os afetos demoníacos – e o que é da ordem da História.
Arriscaríamos antecipar que, se a cultura contemporânea provoca a incidência da anorexia, esta não constitui, a rigor, nenhuma novidade, conforme também quer fazer crer a mídia, na ambição sensacionalista de difundir a existência de uma nova doença. O que há de novo, que seguramente contribui para o aumento de manifestações mórbidas na atualidade, está diretamente ligado ao desenvolvimento maciço do capitalismo na sociedade de consumo. Esta, pari passu com a ciência positivista moderna, promete a recuperação do gozo perdido (Sauret, 2005). Por outro lado, o par anorexia/bulimia não deixa de ser uma oposição à cultura, aliás, como qualquer outro sintoma subjetivo. Ao recusar os objetos que o Outro lhe empurra goela abaixo, a anoréxica evidencia sua desesperada tentativa de manter vivo o desejo.
Antes mesmo de fundar a psicanálise, Freud em "Um caso de cura pelo hipnotismo" (1893) expõe a história clínica de uma mulher que apresentara episódios de anorexia pós-parto do primeiro e do segundo filho. Embora não sendo o médico da paciente, diagnosticou o caso como uma "histeria ocasional" (p. 172) cuja sintomatologia revelava uma "perversão da vontade" (p. 178). No relato do caso de Emmy von N. (1895), aproxima a recusa alimentar do sintoma histérico de conversão. A abulia de Emmy foi diagnosticada como sendo o efeito da ideia de comer estar ligada, desde a infância, às lembranças repugnantes, cuja carga afetiva não sofrera diminuição. Sob o efeito da hipnose, a paciente revelou cenas repugnantes de refeições frias que era obrigada a comer junto com os irmãos doentes. Neste caso, a anorexia aparece referida a um trauma psíquico cuja lembrança recalcada retornava sob a forma de recusa da comida.
No Rascunho G destacam-se os laços entre anorexia e melancolia: "Perda de apetite: em termos sexuais, perda de libido" (1895, p. 276). Entretanto, Freud nunca classificou a anorexia como um tipo de psicose; considerou-a apenas uma espécie de paralelo neurótico da melancolia. Na "Carta 105" (1892/1899, p. 375), ele assinala que a anorexia mental é decorrente da presença do autoerotismo. Ao se perguntar sobre os vômitos histéricos de uma paciente, conclui estar diante de um conflito intenso entre duas representações contrastantes: por um lado, a paciente sentia-se grávida e não podia abrir mão de portar em si o filho de um amante imaginário; por outro, vomitava para não perder a beleza com que julgava agradar os homens. Observa-se nesta carta uma forte ligação da anorexia com o real do sexo e com a beleza, como forma de velar a castração feminina. Finalmente, em "O homem dos lobos", a anorexia é referida a uma modalidade de "neurose feminina" a ser "examinada em conexão com a fase oral da vida sexual" (Freud, 1918, 133).

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